terça-feira, 29 de janeiro de 2008

 

MANUEL DA MAIA

Espírito iluminista e, ao mesmo tempo, profundamente religioso, Manuel da Maia é uma das figuras capitais do século XVIII português.
Engenheiro de profissão, dedicou-se a uma multiplicidade de actividades, característica dos homens das Luzes. Organizou as fortificações marítimas de Lisboa, na iminência da invasão inglesa; superintendeu a edificação de outras fortificações, um pouco por todo o país; traduziu diversas obras de construção militar; desenhou mapas geográficos e militares.
A sua capacidade de trabalho é lendária. Tal como não deixava ninguém do seu tempo indiferente, a promessa de entregar aos pobres um terço dos seus ganhos e o facto de, aos 12 anos, ter feito voto de castidade. Alcançou as maiores honras, que culminou com a designação de Mestre de Campo General e a de Engenheiro-mor do reino, em 1758. No ano seguinte recebeu o grau de Cavaleito da Ordem de Cristo.
A importância do seu labor foi reconhecida quando, indigitado Guarda-mor da Torre do Tombo, salvou o arquivo na sequênciado terramoto de 1755. Foram também as consequências do terramoto que exigiram o melhor do septuagenário Manuel da Maia. que se mostrou incansável a dirigir a inventariação de propriedades, a remoção de escombros, a protecção sanitária. Mas o seu papel é decisivo na reconstrução da cidade.

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terça-feira, 22 de janeiro de 2008

 

A CARTA de Pero Vaz de Caminha (3ª parte)

(...)
Quando fizemos vela, seriam já na pria sentados junto ao rio obra de sessenta ou setenta homens, que a pouco e pouco se haviam ali juntado. Fomos ao longo da costa e mandou o capitão aos navios pequenos que fossem mais chegados à terra e, se achassem pouso seguro para as naus, que amainassem.
E sendo nós pela costa, acharam os ditos navios pequenos, obra de dez léguas do local donde tínhamos levantado ferro, um recife com um porto dentro, muito bom e muito seguro e com uma mui larga entrada. E meteram-se dentro e amainaram. As naus arribaram sobre eles e um pouco antes do sol posto amainaram obra de uma légua do recife e ancoraram em onze braças.
E sendo Afonso Lopes, nosso piloto, num daqueles navios pequenos, por mandado do capitão, por ser homem vivo e destro para isso, meteu-se logo no esquife a sondar o porto dentro; e tomou numa almadia dois daqueles homens da terra, mancebos e de bons corpos; e um deles trazia um arco e seis ou sete setas, mas não se serviram deles. Trouxe-os logo, já noite, ao capitão, sendo recebidos com muito prazer e festa na sua nau.
A feição deles é serem pardos, maneira de avermelhados, de bons rostos e bons narizes, bem feitos. Andam nus, sem nenhuma cobertura, e é-lhes indiferente cobrir ou mostrar suas vergonhas. E procedem nisso com tanta inocência como em mostrar o rosto. Ambos traziam os beiços de baixo furados e neles metidos seus ossos brancos, verdadeiros, com o comprimento de uma mão travessa e da grossura de um fuso de algodão, e agudos na ponta como um furador. Metem-nos pela parte de dentro do beiço, e o que lhes fica entre o beiço e os dentes é feito como o roque de xadrez, e de tal maneira o trazem ali encaixado que não lhe faz doer nem lhes estorva a fala, o comer ou o beber. Os seus cabelos são corredios e andavam tosquiados, de tosquia alta mais que de sobre-pente, de boa grandura e rapados até por cima das orelhas. E um deles trazia por baixo da solapa, de fonte a fonte para trás uma espécie de cabeleira de penas de ave amarelas, que seria do comprimento de um coto, mui basta e mui cerrada, que lhe cobria o toutiço e as orelhas. E andava pegada aos cabelos, pena por pena, com uma confeição branda como cera, embora não o fosse, de maneira que a cabeleira ficava mui redonda e mui basta e mui igual, e não fazia míngua mais lavagem para a levantar.
O capitão, quando eles vieram, estava sentado numa cadeira, bem vestido, com um colar de ouro mui grande ao pescoço e, aos pés, uma alcatifa por estrado. Sancho de Tovar, Simão de Miranda, Nicolau Coelho, Aires Correia e nós outros que aqui na nau com eles vamos, sentados no chão, pela alcatifa. Acenderam-se tochas e entraram. Mas não fizeram nenhuma menção de cortesia nem de falar ao capitão nem a ninguém. Porém um deles pôs olho no colar do capitão e começou de acenar com a mão para a terra e depois para o colar, como que a dizer-nos que ali havia ouro.
Também viu um castiçal de prata e assim mesmo acenava para a terra e então para o castiçal, como se lá também houvesse prata.
Mostraram-lhe um papagaio pardo que o capitão tem aqui, e tomaram-no logo na mão e acenaram para terra, como quem diz que os havia ali. Mostraram-lhes um carneiro: não fizeram caso. Mostraram-lhe uma galinha: quase tiveram medo dela e não lhe queriam pôr a mão; depois a tomaram como que espantados.
Deram-lhes ali de comer pão e peixe cozido, confeitos, fartéis, mel e figos passados. Não quiseram comer daquilo quase nada. E, se alguma coisa provavam, lançavam-na logo fora. Trouxeram-lhes vinho numa taça: mal lhe puseram a boca e não gostaram nada, nem a quiseram mais. Trouxeram-lhes água numa albarrada e, tomando alguns bocados, não beberam, somente lavaram as bocas e lançaram-na logo fora.
Viu um deles umas contas brancas de rosário. Acenou que lhas dessem, folgou muito com elas e lançou-as ao pescoço. Depois tirou-as e enrolou-as no braço e acenava para a terra e de novo para as contas e para o colar do capitão, como que dizendo que dariam ouro por aquilo.
Isto tomávamos nós assim por assim o desejarmos. Mas se ele queria dizer que levaria as contas e mais o colar, isto não queríamos nós entender, porque não lho havíamos de dar. E depois tornou as contas a quem lhas dera.
Então estiraram-se de costas na alcatifa a dormir, sem buscarem maneira de cobrir suas vergonhas, as quais não eram fanadas; e as cabeleiras delas bem rapadas e feitas. O capitão lhes mandou pôr por baixo das cabeças seus coxins, e o da cabeleira esforçava-se por a não quebrar. E lançaram-lhes um manto em cima e eles consentiram, ficaram quietos e dormiram.
(...)
Continua

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domingo, 6 de janeiro de 2008

 

NÃO TENHO

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Não tenho pressa. Pressa de quê?
Não têm pressa o sol e a lua: estão certos.
Ter pressa é crer que a gente passa adiante das pernas,
Ou que, dando um pulo, salta por cima da sombra.
Não; não tenho pressa.
Se estendo o braço, chego exactamente onde o meu braço chega -
Nem um centímetro mais longe.
Toco só onde toco, não onde penso.
Só me posso sentar onde estou.
E isto faz rir como todas as verdades absolutamente verdadeiras,
Mas o que faz rir a valer é que nós pensamos sempre noutra cousa,
E somos vadios do nosso corpo.

Alberto Caeiro

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